terça-feira, 19 de agosto de 2008

De bicicleta até o topo da América Latina*

Unir dois oceanos e uma montanha. A idéia foi de Rudah Azevedo, 32 anos, e Alexandre Dias, 22 anos. O desafio estava posto. E a bicicleta foi o meio de transporte escolhido. Os amigos pedalaram 3.600 quilômetros de Torres a Valparaíso, no Chile, em 1994. O propósito era subir a maior montanha da América, com as bicicletas nas costas. O imponente Aconcágua, com seus 6.959 metros acima do nível do mar foi vencido passo a passo pela dupla.

A empreitada exigiu ano e meio de preparo físico. Foram incansáveis pedaladas de 15 quilômetro/hora a Nova Petrópolis e Gramado. Percurso percorrido em ¼ de dia. "O astral de viajar de bicicleta é diferente. A gente fica abstraído; contempla mais a paisagem", revela Rudah.

A viagem consumiu 3 meses. Eles partiram dia 27 de dezembro de 1993. Em 20 dias aportaram na fronteira do Chile com a Argentina. Durante um mês ficaram acampados em Puente del Inca, ao pé da montanha. Foi uma parada estratégica. Era preciso se aclimatar à altitude e recuperar o desgaste de energias. Cada um perdeu 10 quilos. Eles estavam a 2.720 metros de altura. Os dias eram preenchidos com passeios pelas montanhas das redondezas. Um dia subiam o Bandeirito (4.000 metros), outro o Cerro Cristo Redentor (4200 metros) e assim por diante.

A entrada no Parque Provincial Aconcágua foi em 17 de fevereiro. Feito o registro, Rudah e Alexandre estavam mais próximos de concretizar a etapa principal do grande sonho. Nas costas, a mochila com 45 quilos. Levavam saco de dormir em alta montanha, barraca, roupas resistentes a 20 graus negativos, fogareiro, mantimentos, bastões, óculos, botas com grampos para gelo, lanterna de cabeça, protetor solar e máquina fotográfica. No coração a expectativa. Afinal, como seria o desempenho físico até chegar ao cume almejado? O lado racional estava consciente de que a prática do montanhismo expõe riscos. O uso de equipamentos de segurança e mesmo o acompanhamento de guias especializados, não eliminam as possibilidades de acidentes.

Dos 2.720 metros até os 6.959 metros, os alpinistas percorreram o lado noroeste, considerado o mais "fácil". Não é preciso escalar rochas. Eles chegam ao cume caminhando. No trajeto - cascalho, neve, frio, glaciar e muito cansaço. Os avanços exigem determinação e decisões corretas. Um erro pode ser fatal. "Escalar em alta montanha é um exercício de paciência. Às vezes é preciso ficar dias acampado esperando passar uma tempestade de neve", ensina Rudah.

A aclimatação depende do organismo de cada um. A elevação é paulatina. Se preciso for, os montanhistas recuam até equilibrar as condições físicas. Quatro acampamentos antecedem o topo. Até Confluência (3.360m), a caminhada dura 2 horas. Plaza de Mulas (4.200m) é o local de melhor estrutura logística. O hotel mais alto do mundo fica encravado nesta localidade. Há, também, equipe de médicos e refúgios. Muitos montanhistas contratam os serviços de mulas para carregar suas bagagens até este ponto. Daí para cima não há possibilidade de resgate pelos guarda-parques. Quem necessitar deste auxílio tem que se dispor a desembolsar grandes fortunas para equipes particulares. Na seqüência, a quatro horas vem Nido de Condores (5.350m) e por último, a duas horas Berlim (6.000m). A partir daí é feito o ataque final. Este termo foi herdado dos militares. E consiste em subir até o cume e voltar no mesmo dia. Dependendo das condições do tempo e do terreno - neve compacta ou fofa -, eles dependem de oito horas a 12 horas. Passar a noite neste trajeto pode significar um congelamento.

Nem todos atingem o cume. Como a pressão atmosférica é menor, alguns montanhistas são submetidos a fortes dores de cabeça. Os riscos de edemas cerebral e pulmonar de altitudes são as grandes ameaças. Mas quem consegue a proeza conta que não consegue expressar em palavras a emoção que sente. O topo da América tem aproximadamente 20 metros quadrados. "É uma alegria ver culminado o esforço".

Três outras faces também levam ao cume do Aconcágua. A oeste, pelo Glaciar dos Polacos, é toda em gelo. A sul é a mais difícil, foi onde morreu Mozart Catão, em fevereiro deste ano. E a leste é uma via de subida mista. Ora a caminhada é sob gelo, ora em cima de pedras. A via é bastante perigosa, por isso pouco repetida. Para se ter uma idéia, em 94 morreram oito pessoas nas diferentes rotas e, em 96 houve quatro acidentes e uma morte.

Rudah começou escalando em rochas em 1988. Mas aos 32 anos prefere as altas montanhas. A escalada é mais complexa. Exige paciência. "É preciso administrar o medo. Minha motivação é interior. Escalar uma montanha é mais prazeroso do que acordar todo o dia e ir trabalhar. Tem que ter desprendimento. Minha opção pela montanha é quase que filosófica. No dia-a-dia é impossível tomar decisões sem influências diretas ou indiretas do mundo exterior. Quando vou escalar tenho mais autonomia. Chego o mais perto possível da idéia de liberdade. Me sinto senhor dos meus passos. Fico mais próximo da felicidade".

O fascínio de Rudah por montanhas é tão grande que pisou novamente no cume em 96. Na segunda vez teve a companhia da namorada Aline Becker, 26 anos, primeira gaúcha a chegar aos 6 mil metros. Lá nas alturas, o pensamento de Rudah é canalizado para segurança, comida e água. "O tempo que sobra fico tirando fotos e curtindo o local". Em janeiro, ele tem planos de escalar o Glaciar dos Polacos e em fevereiro, volta como guia de uma expedição gaúcha.

* Matéria de Stella Máris Valenzuela publicada no Extra Classe, dezembro de 98.

Vertente das escaladas

Desde 1786, os homens buscam a paz das montanhas. Este esporte, que exige muita técnica, tem diversas modalidades.

- Alta montanha (escalada acima de 4.500 metros. Não visa a verticalidade. O grande desafio é o clima. Os ventos chegam a soprar 150 quilômetros por hora. Temperaturas até 45 graus negativos.
- Alpina (enfrenta paredes com gelo)
- Big Wall (subida em paredes rochosas. Seus praticantes dormem duas noites na parede)
- Livre tradicional - (Vias maiores de 50 metros, progridem se segurando nas rochas e usando cordas);
- Esportiva (Não visa o cume, mas sim ultrapassar lances difíceis);
- Boulder (escala em pequenas pedras, que não ultrapassam 5 metros)


Modalidades do montanhismo

A prática do esporte em montanhas se divide em várias vertentes, desde que a montanha sempre seja o ponto de partida.

- Canoagem (corredeiras)
- Rafting (descida em corredeiras)
- Mountain bike
- Canyoning (travessia de canyons)
- Rapel (descida de corda)
- Vôo livre (asa delta - pára-gleider)

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